Tiradentes e os quintos do inferno

Descrição da imagemO advogado e professor de língua portuguesa Reinaldo Pimenta, em seu livro A Casa da Mãe Joana, conta que, quando o Brasil começou a ser colonizado, predominantemente dois tipos de portugueses vinham para cá: os loucos, por natureza ou por ímpeto irrefreável de aventura, e os desterrados em razão de algum crime cometido. Mas, no início de século XVIII, o ouro virou uma atração para os nobres portugueses, que aqui desembarcaram para ocupar cargos da alta administração: governador-geral, comandante de capitania, intendente, etc. Deles era a responsabilidade pela coleta de impostos, entre os quais o de 20% do ouro extraído, chamado “quinto”.
 
Como naquela época não havia transferência virtual de valores, o produto da arrecadação era transportado para Portugal via marítima. Quando lá aportava, os portugueses, que continuavam achando o Brasil o fim do mundo, diziam: “Lá vem a nau dos quintos do inferno”. Daí veio o xingamento de mandar alguém para os quintos do inferno, explicou Pimenta.
 
Além de tratar o Brasil de maneira pejorativa, a Coroa lusitana era implacável na cobrança do tributo. Quem não dispusesse de ouro em quantidade suficiente para compor o quinto tinha seus bens confiscados a título de compensação (procedimento que ficou conhecido como Derrama). Isso ocorreu sobretudo na então capitania de Minas Gerais, a partir da metade do mesmo século XVIII, e recrudesceu em seus habitantes um sentimento libertário que seria a centelha de um movimento que ficou conhecido como Inconfidência Mineira, cujo objetivo era tornar aquela parte da colônia independente de Portugal.
 
O movimento teve como um de seus líderes Joaquim José da Silva Xavier (nascido em 1746 e morto em 1792). Era conhecido como Tiradentes, pois dedicou parte de sua vida a tratar dos dentes da população. Foi também mineiro e militar e, em 1781, chefiou a patrulha da ferrovia que escoava a produção de minérios de Minas Gerais ao porto do Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que se aproximou de grupos que criticavam a exploração do Brasil pela metrópole, a relação corrupta do governo local com parte da elite e a pobreza da maior parte da população.
 
Tiradentes começou, então, a organizar a insurreição, que, no entanto, foi delatada em 15 de março de 1789 aos portugueses pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, em troca do perdão de uma dívida com a Coroa. Tiradentes foi condenado à forca e executado em 21 de abril de 1792. Seu corpo foi esquartejado para servir de exemplo a quem ousasse pensar em atos semelhantes aos seus.
 
Em 2011 — 219 anos depois da execução de Tiradentes ordenada pela Coroa portuguesa —, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil foi de R$ 4,143 trilhões, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse mesmo ano, os brasileiros pagaram R$ 969,7 bilhões de impostos, conforme dados apurados pela Receita Federal. Isso significa que, praticamente, de cada R$ 4 gerados de riqueza no país, R$ 1 fica com o governo em forma de tributos, que deveriam ser transformados em bons serviços à população.
 
Em termos fiscais, vive-se hoje no Brasil uma situação parecida com a Derrama do século XVIII. O governo coleta mais impostos que na época do quinto e a corrupção continua um inferno.
 
GLOSSÁRIO: segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) citada pela Agência Câmara de Notícias, o brasileiro trabalha quase cinco meses por ano apenas para pagar impostos (são 63 no total). O Imposto de Renda (IR) é o que mais pesa no bolso. Em seguida, estão os tributos sobre o consumo (ICMS, PIS, Cofins, IPI, ISS), que atingem 23,24%, em média, da renda do contribuinte. O presidente do IBPT, João Eloi Olenike, disse que a carga tributária do Brasil é a 15ª maior do mundo e alcançou 36% do PIB em 2011. Ele defendeu a aprovação do Projeto de Lei 1472/07, que torna obrigatória a discriminação dos valores dos impostos nas notas fiscais.

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