Priscilla, Rainha do Deserto – O Musical

É impressionante a velocidade com que os musicais da Broadway têm chegado ao Brasil. Mal estreou em Nova York, há um ano, depois de ampla aprovação popular na Austrália e em Londres, já ganhou versão brasileira, com tradução e adaptação de Flávio Marinho.

 

O êxito da trama popularizou a figura das drag queens, com seus excessos e performances. A peça alicerça sua narrativa a partir do deslocamento de três personagens por um vasto deserto australiano, a bordo de um estiloso ônibus batizado carinhosamente de Priscilla, que ganha vida no palco.

As drag queens Mitzi (Luciano Andrey) e Felícia (André Torquato) e a transexual Bernadette (Ruben Gabira), ex-integrante de um famoso espetáculo de transformismo, experimentam uma transformação pessoal à medida que a viagem avança. O rito de passagem começa na litorânea cidade de Sydney e se estende até a interiorana Alice Springs, onde o trio pretende cumprir temporada de shows em um hotel-cassino, contratado pela ex-mulher de um deles.

À parte a opção pelo entretenimento descompromissado, o texto de Stephan Elliott e Alan Scott toca o dedo na ferida do preconceito e celebra a liberação. O espírito de aventura, com suas imprevisibilidades, predomina o tempo todo. Durante a jornada o ônibus quebra, há brigas internas, acontecem ensaios no meio do nada, a trupe é rejeitada em um vilarejo machista, um mecânico se engaja ao grupo. 

O público acompanha um mosaico da diversidade, da identidade nacional e das relações étnicas. Por exemplo: Mitzi teve um filho do antigo casamento e a viagem adquire o significado de encontro entre esta criança e o pai gay e drag queen.

O diretor geral Simon Phillips conduz com segurança este espetáculo colorido e cheio de brilhos e paetês, cuidando para que o ritmo não seja atropelado pelo enredo movimentado. Contribui para o bom andamento da montagem o envolvente repertório musical, pontuado por hits disco e pop como It's raining men, I will survive e Always on my mind, canções que marcaram época e embalaram várias gerações.

O diretor musical Stephen Spud Murphy, também responsável pelos arranjos, contou na versão brasileira com a participação de Miguel Briamonte na direção musical, que pilotou a orquestra de oito músicos. A inspirada coreografia de Ross Coleman e Andrew Hallsworth ganhou nesta montagem a competência de Tânia Nardini, na dupla função de coreógrafa associada e diretora residente.

Vale ressaltar que a música, aqui, funciona além da mera trilha sonora para o espectador. Não só ela é essencial para desenrolar a narrativa, porque serve de base para a performance dos protagonistas, como teatraliza e potencializa uma viagem só aparentemente trivial.
  
Percebe-se um meticuloso cuidado na concepção do espetáculo, do impactante ônibus-personagem de oito toneladas que demandou uma semana para ser montado aos quinhentos figurinos deslumbrantes desenhados por Tim Chappel e Lizzy Gardiner, ambos responsáveis também pelo mesmo setor no filme homônimo (1994).

O elenco reunido reproduziu igual preocupação com a qualidade. O veterano Ruben Gabira encontrou o ponto certo na caracterização do rabugento transexual Bernadette, fugindo da pura caricatura. Depois de boa passagem pela comédia Mambo Italiano, Luciano Andrey transmite muito vigor e garra ao encarnar Mitzi, personagem em constante conflito com seu passado.

O jovem André Torquato, 18 anos, visto recentemente em Gypsy e As Bruxas de Eastwick, está irrepreensível no difícil papel de Felícia – a cena em que interpreta Sempre Libera, no alto do ônibus, é um dos pontos altos da encenação. Saulo Vasconcelos, recém-saído de Mamma Mia!, brilha como o mecânico Bob, o bonachão insatisfeito no casamento que decide incorporar-se à viagem.

As divas, que aparecem juntas descendo por cabos de aço ou despontando por trás do ônibus, são feitas com muita graça e talento por Priscila Borges, Simone Gutierrez e Lívia Graciano. Andrezza Massei, que também brilhou em Mamma Mia!, usa toda sua veia cômica para compor a hilária Shirley. Lissah Martins, um dos destaques de Miss Saigon, aproveita bem o pequeno papel, fazendo de Cynthia, mulher do mecânico, uma figura cheia de maneirismos – a cena das bolinhas de pingue-pongue, em um estereotipado número musical, é impagável.

A montagem oferece várias sequências memoráveis. Uma das cenas mostra o trio, acolhido por uma comunidade aborígene, se esforçando para interagir com o inusitado grupo. Em outra, elas aparecem montadas em um bar frequentado por machões de uma pequena cidade, desafiando-os com seu modo de ser.

O que esta comédia musical pode suscitar no espectador, além do entretenimento, é uma reflexão irreverente sobre diferenças culturais e de gênero. Nada controverso, o que poderia afastar espectadores menos afeitos a esse tipo de discussão. Mas o suficiente para permitir que seja desfrutado por plateias de variados perfis. 

(Vinicio Angelici, da revista Stravaganza, O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. , www.revistastravaganza.com.br)
(Foto: André Fedrizzi)
 
Avaliação: ótimo.

Priscilla, Rainha do Deserto – O Musical

Texto: Stephan Elliott e Allan Scott
Direção: Simon Phillips
Elenco: Luciano Andrey, André Torquato, Ruben Gabira, Saulo Vasconcelos e outros
Estreou: 17/03/2012
Teatro Bradesco (Shopping Bourbon – Rua Turiassu, 2.100, Perdizes, São Paulo. Fone: 3670-4100). Quinta e sexta, 21h; sábado, 17h e 21h; domingo, 16h e 20h. Ingresso: R$ 40 a R$ 250. Até 29 de julho.

Veja cenas do espetáculo:  http://www.youtube.com/watch?v=ByjiLAgm4dI&feature=related

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