O Artista

Dirigida por Michel Hazanavicius, esta produção tem o efeito de uma declaração de amor aos tempos de ouro do cinema de Hollywood, quando os filmes eram mudos, uma orquestra executava ao vivo a trilha sonora durante a sessão e o público se paramentava para ir às salas de exibição.

 

Nos dias de hoje, de forte apelo aos efeitos especiais e o fetiche da transmissão em terceira dimensão, um longa sem diálogos, rodado em preto e branco e que parece ter sido produzido nos anos 1920 soa como provocação. No entanto, vem cativando plateias pelo mundo todo e colecionado diversos prêmios, como o Globo de Ouro de melhor filme e o de melhor ator em Cannes para Jean Dujardin e o Oscar de melhor filme, combina em sua narrativa porções de comédia, romance e ação, menu apresentado com ingredientes de pura nostalgia.

Envolvente, a trama põe em destaque a história do carismático ator George Valentin (Dujardin), estrela do cinema mudo na segunda década do século passado. De sorriso largo, faz o tipo que arranca suspiros das fãs, entre elas, a aspirante a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo) que, por intermédio dele, consegue galgar espaços em Hollywood. As coisas mudam, porém, com o advento do cinema falado e a decisão dos grandes estúdios de enveredar pelo novo caminho.

Orgulhoso e debochado, Valentin, cujo nome não por acaso remete a Rodolfo Valentino, uma dos maiores astros da época, refuta a ideia de se adaptar a um formato que julga absurdo — a revolução tecnológica, por sinal, destruiu a carreira de muitos atores e diretores naqueles tempos e mesmo Chaplin demorou bastante para aderir à novidade.

Valentin parte para produzir e protagonizar um filme mudo, que acaba por se revelar um fracasso de bilheteria — repare na ironia da cena em que o ator é engolido por areia movediça. Para piorar a situação, o crash da bolsa de valores de 1929 tumultua a ordem e sua mulher o abandona.

Com popularidade decrescente, empobrecido e cada vez mais amargurado, tendo como fiéis companheiros apenas o cachorrinho e o motorista, o ex-ídolo acompanha a ascensão vertiginosa de Peppy na profissão. Em uma das melhores sequências, ele sonha (ou tem pesadelo?) que tudo à sua volta produz algum tipo de som, até o toque de uma pena no chão, enquanto sua voz permanece silenciada.

O que o filme reflete é justamente essa reviravolta na linguagem cinematográfica que se deu entre 1927 e 1932 e suas consequências. Hazanavicius entrega uma obra de domínio técnico impressionante e com história suficientemente terna e singela para seduzir o público.

Apesar de retratar Hollywood de forma realista e registrar um evento fundamental de sua história, trata-se de uma produção franco-belga que reúne atores de várias nacionalidades — Dujardin é francês, Bérénice Bejo argentina, James Cromwewll e John Goodman norte-americanos e Malcom McDowell britânico. Elenco, aliás, bastante afiado e afinado.

Dujardin e Bérénice já hipnotizam o espectador logo nas suas primeiras aparições. Ele com extrema expressividade, jeito espontâneo e vaidade, ela transmitindo delicadeza, charme e espírito de gratidão. Talentoso, o cachorrinho de Valentin chega literalmente a roubar alguns momentos.

Cinéfilos irão observar referências aos clássicos Cantando na Chuva e Crepúsculo dos Deuses, trechos inspirados em musicais da Metro e autoironias, como quando uma personagem diz que o cinema falado implode o modelo caras e bocas do cinema mudo.

Composta por Ludovic Bource, a inspirada trilha sonora ilustra a narrativa o tempo inteiro, passeando pelo jazz, melodias clássicas e até músicas de suspense, como a inserção de um fragmento musical extraído de Um Corpo que Cai, uma das obras-primas de Hitchcock.

Com viés de fábula, fluído e comovente, o longa lança um olhar perspicaz sobre o universo das estrelas cinematográficas e dos bastidores da indústria do entretenimento. No fundo, um filme afetuoso sobre a mitologia do cinema.                                                                                                                                  

(Edgar Olimpio de Souza, da revista Stravaganza, O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. , www.revistastravaganza.com.br)

(Foto: divulgação)

Avaliação: ótimo.

O Artista
Título Original: The Artist (França/Bélgica, 2011).
Gênero: drama, 100 minutos
Direção: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman e outros
Estreou: 10/2/2012
Veja o trailer do filme: http://www.youtube.com/watch?v=u1I5rm0vVR8

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